sexta-feira, 29 de julho de 2011

Crônicas do Quarto Poder

A imprensa sempre teve uma relação muito ambígua com o poder; ora apoiando-o, ora atacando-o. Uma coisa é indiscutível: a imprensa é um dos espaços privilegiados para se fazer política. Assim, a imprensa pode denunciar muito bem a essência política de certos períodos.
A cidade de Taubaté, por exemplo, teve sua circulação de jornais iniciada ainda no século XIX. No entanto, era uma produção muito artesanal que dependia de investidores isolados e que tinha uma duração muito pequena. Só a partir dos últimos anos do Império que a imprensa realmente se consolidou em Taubaté fazendo parte do viver urbano realmente.
Sobre imprensa e política, lembremos alguns episódios interessantes: o jornal O Paulista foi criado em 1862 e começou como um órgão independente, até que em 1868 tornou-se um defensor do Partido Liberal (a política imperial era coordenada pelos gabinetes, o Partido Conservador e o Partido Liberal se revezavam no controle desses gabinetes; quando o Partido Conservador estava de posse de um gabinete, o Partido Liberal se tornava oposição e vice-versa). Eram diretores do jornal então o Antônio Joaquim Daniel Prado, seu fundador, e Alfredo de Almeida, um membro mais radical do Partido Liberal.
José Francisco Monteiro, Visconde de Tremembé.
Lembrando que chefe do Partido Liberal em Taubaté na época era o então Barão de Tremembé, monarquista convicto. O Partido sobre sua direção se tornara situacionista e Alfredo não gostara disso. Começa a publicar notas atacando esse fato e, segundo Antonio Mello Júnior, os entregadores do jornal começam a ser perseguidos pela polícia. A situação fica crítica em 1870 quando após atritos sérios com o barão Alfredo se desvincula do partido e declara o jornal como orgão republicano. O diretor do jornal é atacado á noite em represália. Alfredo diminui os ataques ao barão, mas adota o slogans "Liberdade é a nossa divisa!" e "Liberdade política e liberdade religiosa". Em 1876 vende seu jornal para seu cunhado Flávio de Carmago e vai para Pindamonhagaba fundar um novo jornal radical, A Democracia.
Em 1888 foi fundado o Jornal do Povo e em 1890 o engenheiro Fernando de Mattos, conhecido líder republicano local, assume sua direção. Fundado no mesmo ano, O Noticiarista era praticamente um órgão informal dos monarquistas, apesar de se dizer imparcial. Ambos se atacavam mutuamente. Difícil saber quem era mais virulento. Fernando de Mattos passa a assinar editoriais em 1893, já na República, atacando os republicanos de última hora como o coronel João Affonso Vieira que era o intendente municipal. Por causa de seus ataques a polícia invade a redação certo dia e fecha o jornal. Algum tempo depois o jornal voltou e adotou o irônico slogan: "Fundado em 8 de julho de 1888. Assaltado em 22 de março de 1893. Empastelado em 8 de junho de 1893. Restaurado em 7 de setembro de 1894".
Félix Guisard
O Jornal do Povo continuou na ativa durante um bom tempo, diferente de seu rival O Noticiarista que foi  fechado em 1894. Meu colega Ângelo Rubim Alves acredita que ele fora substituído pela Associação Artística Literária como veículo da facção conservadora. Algum tempo depois surgiria um jornal que seguiria os princípios desse grupo político, O Norte, quando se tornarem a situação (com o revezamento dos irmãos Costa na prefeitura durante a década de 1910), assim como também surgiria um jornal de oposição, O Libertário, fundado por Félix Guisard para se tornar o porta-voz da oposição liberal.
Agora vamos á capital do Estado do Amazonas. Manaus, assim como Taubaté, se tornara um importante centro urbano graças á uma atividade econômica, a da borracha, e tentava se ordenar e viver como um centro urbano europeu. A pretensão em se tornar uma cidade cosmpolita fazia com que sua insipiente imprensa (nascida na segunda metade do século XIX, mas ainda não possui uma data precisa para seu surgimento) se dedicasse á assuntos extra-locais. Em sua maioria, os jornais obedeciam a lógica dos primeiros anos da imprensa no Brasil: eram artesanais, virulentos e efêmeros. O historiador Arthur Reis lembra que eles eram abertamente partidários - criados pelos dissidentes do Partido Liberal, os maniveiros e os históricos, e do Partido Conservador para se atacarem. O mesmo admite que só a partir de 1870 que eles tentam ser mais "imparciais" e se dedicam á temas mais variados e regionais.
O maior exemplo pode ser o jornal fundado pelo artista gráfico Manuel da Silva Ramos em 3 de maio de 1851: Cinco de Setembro. Ele passaria a se chamar Estrella do Amazonas em 1852 em homenagem á criação da Província do Amazonas. Estrella do Amazonas seria  um dos jornais de maior circulação, justamente por publicar máterias variadas sobre a cidade e seu comércio.
Eduardo Ribeiro
A expansão para outros temas nos jornais manauaras não significou que eles abandonaram a política, mesmo quando diziam ser imparciais. Ora, Eduardo Ribeiro quando fora governador do Amazonas, já na República, publica em Manaus o periódico que tinha fundado no Maranhão quando cadete para defender o positivismo: O Pensador. Com a diferença de que em Manaus, O Pensador defenderia o positivismo, a República e as ações do governo. Aliás, os principais inimigos políticos de Ribeiro, o clã Nery, possuia também o seu jornal: Folha do Amazonas. Nas eleições de 1910, a disputa entre Antonio Bittencourt, apoiado pelo dono do Diário do Amazonas, e Silvério Nery, dono da Folha do Amazonas, se fez na imprensa também. Nas eleições de 1913, a mesma coisa aconteceu entre os jornais O Tempo, apoiando Jonathas Pedrosa, e Amazonas e Gazeta da Tarde, simpáticos á Guerreiro Antony. Quando os tenentes tomaram o poder em 1924 entenderam que também era necessário possuirem seu jornal como propaganda de seu governo e também como forma de transparência (uma de suas bandeiras era a moralização da política).
Os empastelamentos e prisões também foram práticas constantes na história da imprensa no Amazonas. O Jornal do Amazonas, fundado em 1875 como veículo do Partido Conservador, foi empastelado em 1878 quando o Partido Liberal assumiu a presidência da Província. Vicente Reis, redator do tradicional Jornal do Commércio, teve ordem de prisão decretada assim que saía da redação do jornal em 1914 simplesmente por criticar o governador Jonathas Pedrosa. O redator e ex-delegado conseguiu fugir dos policiais, se disfarçando de mulher. Décadas depois, o jornal oficial de Plínio Coelho, Trabalhista, foi atacado por policiais á paisana por criticar a atuação do governador Arthur Reis - isso durante os anos iniciais da ditadura militar, quando Plínio já havia sido cassado e se exilado do país. Outro episódio se tornou até cômico: A Notícia era um jornal independente que em 1965 ironizou o governador Arthur Reis, este foi prender o seu dono, Manoel Andrade Neto, com sua guarda particular. No entanto, Andrade Neto não estava em casa e depois de esperar um tempo, Arthur Reis, furioso, desistiu da idéia. Mas antes de ir embora, decidiu se vingar do desafeto chutando e quebrando vasos de plantas da varanda da casa dele. Graças á Abrahim Aleme, correspondente do Jornal do Brasil no Amazonas, a notícia foi divulgada para todo o país o que deve ter impedido maiores represálias do governado á Andrade Neto, que nos anos seguintes se aproximaria do MDB, a oposição oficial á ditadura. A sede d' A Notícia foi palco para o encontro entre Plínio Coelho e Gilberto Mestrinho, mediado por Andrade Neto, onde se selou uma união para as eleições livres estaduais de 1982, no final da ditadura militar.
Arthur Cézar Ferreira Reis
Como podemos ver, a imprensa diz muito sobre a política de uma época. Os ataques e as perseguições e empastelamentos revelam como era polêmica e violenta a política dessas duas cidades em meados do século XIX. Afinal, estamos falando de cidades que estavam se transformando, uma se urbanizava graças ao café e posteriormente á indústria têxtil, enquanto a outra foi sustentada pela borracha e por pequenas fábricas de serviços e beneficiamentos antes de cosntruir seu distrito industrial. Mesmo assim, ainda sobrevivem alguns elementos daquela política provinciana. A adaptação com a consolidação da imprensa no viver urbano demora um bocado para seus políticos, embora eles já tivessem a adotado como seu veículo de propaganda, como mostramos.
E hoje? O que diz da política nossa imprensa hoje?

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