quinta-feira, 5 de maio de 2011

Notas sobre a palestra do Prof. Benedito Espírito Santo Maciel

Da esquerda para a direita: eu, Anália Ferreira, Prof. Benedito Maciel, uma aluna de turismo e o apresentador do Simpósio Ellen Veras Filho. Foto: Maurílio Sayão.
Professor de Antropologia da Ufam e pesquisador sobre a questão indígena, Benedito Espírito Santo Maciel foi o pesquisador convidado para abrir o III Simpósio Indígena do curso de História e Turismo, com o tema "Resgatando a cultura amazônica".
O objetivo da sua fala era discutir o termo cultura. Maciel iniciou sua fala com as possíveis reações diante do Outro. Um bom exemplo: diante da imagem de um caboclo amaozense levando seu jantar (um gordo porco do mato), as pessos podem ficar interessadas com seu modo de vida ou desprezá-lo. Essas são as reações diante do Outro: recusa ou fascinação.
Para discutir o conceito de cultura, Benedito usa as reflexões do antropólogo Roque Barros Laraia em um livro já antológico (Cultura: um conceito antropológico). Segundo Laraia, a cultura condiciona o aspecto biológico (do homem) e geográfico e tem uma dinâmica e lógica própria. Esse último ponto é o mais importante da discussão. Por quê? É comum tentarmos entender um povo utilizando os conceitos de nossa própria cultura (é o que chamamos de etnocentrismo) e ao fazermo isso esquecemos a lógica própria desse povo. Por isso a antropologia passou a usar o relativismo como forma de estudar os diversos povos.
Desse momento em diante, o Prof. Benedito abriu a discussão para perguntas. Infelizmente, não conseguirei enumerar todas elas, porque estava sem material no dia. Mas anotei, posteriormente, as que achei mais interessante.

A primeira pergunta da noite foi de um aluno do primeiro período de História sobre o tratamento dispensado por algumas etnias aos bebês que nascem deficientes. Ou seja, ele queria entender porque eles são mortos pelos seus pais. Maciel começa a resposta com um alerta: cuidado com o etnocentrismo! O amor deles por seus filhos não seria diferente do nosso. A forma como eles demonstra esse amor, contudo, faz parte da sua cultura e sua cultura, como dissemos antes, tem sua lógica própria. Os Waurá, por exemplo, precisam de guerreiros. O bebê que nasce deficiente não terá uma boa vida e não será abençoado com o paraíso ao final de sua vida - aliás, uma curiosidade muito interessante: esse povo é conhecido como o "povo do veneno", uma vez que aos 25 anos cabe aos homens se suicidarem tomando uma puçanga. Aliás, a maioria das perguntas posteriores foram sobre esse curioso costume que, segundo o professor, é muito recente, foi empregado com o objetivo de controlar o crescimento da população Waurá, dentre outros motivos.
E perceba a diversidade cultural: enquanto os Waurá enxergam nos idosos pessoas amaldiçoadas, que não chegarão para um dos últimos degraus do paraíso como os jovens guerreiros, os Cambeba (objeto de estudo de Benedito) os têm como indivíduos sagrados, pois eles guardam a memória do seu povo e de sua comunidade.

A minha pergunta (acho que foi a terceira da noite) foi exatamente sobre os Cambeba. Em seu artigo Entre os Rios da Memória: História e Resistência dos Cambeba na Amazônia Brasileira para o livro Rastros da Memória de Patrícia Sampaio e Regina Erthal, Benedito fala sobre esse povo que parece ter desaparecido da história oficial para reaparecer somente na década de 1980. A tese de Benedito é de que esse povo, para sobreviver, decidiu se silenciar e somente quando percebeu que o contexto histórico tinha dado sinais de melhores tempos eles decidiriam reafirmar sua cultura. A minha dúvida era como os Cambeba conseguiram reconstruir sua cultura após decidirem que tinham de esquecê-la para sobreviver?
Segundo o professor, eles não esqueceram, apenas se silenciaram. Internamente, os mais velhos continuaram a passar a cultura Cambeba para as novas gerações, contudo, quando alguém de fora chegava na aldeia, eles diziam que não eram índios e não eram Cambeba. Isso reflete inclusive uma estratégia muito inteligente de sobrevivência: os Cambeba perceberam, seja com a experiência pessoal de cada um ou mesmo com a memória de seus antepassados, que a sociedade brasileira possui um certo preconceito para com as etnias indígenas, então, nada mais lógico que não ser reconhecido como indígena para não ser perseguido ou marginalizado.
Ainda segundo Benedito, o nosso maior problema hoje é enxergar o indígena no presente. A imagem que temos dele é aquela imagem construída pelos cronistas. Por isso, costumamos imaginar o indígena vivendo no meio do mato, avesso á todo tipo de tecnologia. Essa imagem se reflete, inclusive, no turismo: quando o turista pergunta sobre o passado da Amazônia o guia procura logo levá-lo á uma aldeia indígena, quando na verdade o passado amazônico é muito mais complexo. A idéia não é desprezar os indígenas que ainda vivem em aldeias, mas reconhecer que sua cultura é muito diversa e complexa. Por exemplo, existem etnias na cidade, como os Saterê Mawé, que se adaptaram ao viver urbano encontrando, inclusive, seu modo próprio de conviver com o cotidiano da cidade.

A próxima pergunta partiu do meu colega Fábio Neto do quinto período de História: como podemos estudar os indígenas se os relatos que temos sobre eles, seja dos cronistas ou dos viajantes, são feitos em cima de uma visão etnocentrista?
Benedito considerou essa uma boa pergunta: os documentos que temos em mão estão cheios sim de etnocentrismo, mas sem eles como podemos estudar os indígenas? O pesquisador tem, primeiro, de ter a noção de que nenhum documento é imparcial. Uma vez tendo isso em mente ele tem que tentar avaliar, fazer uma triagem da fonte, tentar separar o juízo de valor da informação. Aliás, o historiador tem o dever de ter consciência desse problema das fontes. Segundo o professor, o historiador é muito pretensioso, pois ele quer estudar uma sociedade que não é a sua em um tempo que não é o seu. Por isso essa situação exige muita crítica e o máximo de cuidado!

Minha colega do quarto período, Olga Almeida, fez a seguinte pergunta: como reconstruir uma cultura a partir da memória?
Maciel faz uma pequena ressalva: uma cultura não se perde como se perde um celular. Quando se fala em aculturação é comum pensarmos que uma cultura é destruída e outra assume seu lugar, quando na verdade nenhuma cultura some totalmente e nenhuma cultura é transplantada á outro povo em sua forma pura. Diversas culturas podem se unir, mesmo de maneira imperialista, e forma uma cultura nova, com traços de ambas. Assim sendo, uma cultura se reconstrói constantemente, pois ela tem sua dinâmica. A memória tem um papel fundamental na reconstrução da cultura entre os povos indígenas, pois suas sociedades são ágrafas, ou seja, não possuem escrita. Claro, isso é muito complicado, pois a memória, assim como a história de certa forma, geralmente costuma sacrificar a verdade em determinados momentos em nome de um estilo mais interessante ou de se acobertar algo.

A próxima pergunta partiu da minha amiga Anália Ferreira, do quinto período: nós falamos muito nesse ato do colonizador invadir a cultura dos povos indígenas, mas os missionários também participaram desse movimento, assim, como esse ato de evangelizar pode acabar com uma cultura?
Benedito alerta mais uma vez para a idéia de reconstruir e não perder uma cultura e se detém em um outro ponto. A religião é apenas um elemento de uma cultura. Claro que existem sociedades onde esse elemento ocupa um maior espaço, tem uma importância maior. Almir Diniz, por exemplo, demonstra como o fato de se converterem ao cristinianismo não significou para muitos líderes indígenas do Amazonas abdicar de sua cultura.

Benedito Medeiros, nosso colega do quinto período, fez também uma pergunta interessante ao Prof. Maciel:  como podemos utilizar a cultura destes povos no sentido de divulgá-la?
Nesse sentido, existem alguns passos que devem ser tomados. Primeiro, para entrar em contato com um determinado povo você deve, antes de tudo, passar na FUNAI, órgão do governo que ainda os tutela, e pedir uma liceça. Depois você entra realmente em contanto com o povo em questão. Benedito lembra de quando foi fazer sua pesquisa sobre os Cambeba: mesmo já conhecendo os líderes Cambeba, uma vez que trabalhava no CIMI (Conselho Indigenista Missionário) na época, tinha que passar por todo esse procedimento quando começou sua pesquisa. E quando chegou á aldeia deles, seus líderes ainda queriam entender qual seu objetivo enquanto pesquisador. Benedito declara que achou isso muito estranho num primeiro momento, mas na verdade reflete a consciência desse povo, afinal, eles queriam entender as consequências desse projeto. E uma vez firmado o compromisso ele deve ser cumprido. Por exemplo, essa pesquisa foi publicada com o consentimento deles, mas para publicá-la fora da universidade ele terá de pedir uma nova permissão deles, uma vez que a primeira era apenas para um trabalho acadêmico.

Como vocês podem perceber, a palestra foi muito esclarecedora e produtiva. Infelizmente não consequi aqui reproduzir todas as perguntas feitas, pois elas demonstrariam como os ouvintes, sejam de História ou de Turismo, estavam interessados e "antenados" com o tema. Aplaudido de pé pela pláteia, o Prof. Benedito conseguiu despertar justamente esse interesse pela questão indígena, a semente de um novo olhar e um novo tratamento para com os povos indígenas que não passe pela recusa de sua alteridade e de sua cultura.

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