Quando se pensa na Amazônia antes da colonização o que se tem em mente são aldeias dispersas e com poucos habitantes, vivendo numa espécie de "eterna infância da Humanidade", o comunitivismo primitivo ou a ausência de propriedade privada. Quando se estuda os trabalhos que vêem sido produzidos sobre a história da Amazônia a gente percebe que não era bem assim.
Recentemente entrei em contato com um texto do arqueólogo e professor do Museu de Arqueologia e Etnologia da USP, Eduardo Goés Neves, no qual somos levados a repensar tudo isso com base nos fragmentos achados nos sítios arqueológicos e na composição da terra local.
Goés Neves coordena desde 1995 o Projeto Amazônia Central que vêem explorando quatro sítios arqueológicos no município amazonense de Iranduba. O local foi escolhido por ser a confluência dos principais rios navegáveis da região (Negro, Solimões e Madeira) e, por isso, poderia ter uma importância fundamental para a ocupação local.
De acordo com Neves, estes sítios demonstram que a região é ocupada há cerca de 8.500 anos, seja na várzea ou na terra firme, possuindo seus habitantes uma economia nada incomum: o equilíbrio entre caça, pesca e coleta. Então há uma pausa - que pode ser tanto fruto da qualidade desse sítio arqueológico como realmente uma pausa na ocupação por motivos ainda desconhecidos - e a ocupação retorna com força total há 2.500 anos. O que marca essa volta é a cerâmica, a famosa cerâmica policrômica da Amazônia que cativou o frei Carvajal. Ao que tudo indica ocorreram mudanças significativas no modo de vida dessas populações nativas: a densidade populacional aumentou e com isso as sociedades tornaram-se mais complexas ou por tornar-se mais complexa que aumentou.
Exemplo de cerâmica policrômica amazônica. |
Alguns, no entanto, defendem que essa maior quantidade de vestígios pode não indicar um aumento da população, mas uma reocupação dessa área. Esses autores acreditam que a natureza limitou e bastante a ocupação humana local, seja através da baixa fertilidade da terra ou pelo regime de cheias do rio e monções. Neves, contudo, acredita que o homem soube encontrar uma solução para esses obstáculos: o manejo ambiental. Essas sociedades, a partir dessa volta inexplicável, desenvolvem uma economia mais voltada para a agricultura o que os levam a produzir roçados e a trabalhar a terra.
A maior evidência, para o arqueólogo, dessa mudança de uma ocupação baixa para uma ocupação densa pode ser encontrada no chão de seus sítios. O solo amazônico é pobre, o desmatamento prova bem isso. Mas nessa região, existe um solo composto por inúmeros nutrientes e que não os perde fácil (a maior prova é que até hoje ainda é fértil). Esse solo, chamado de terra preta de índio, adquiriu esses nutrientes com as sociedades que o ocuparam. Não foi uma coisa assim consciente; ao que tudo indica, seus vestígios orgânicos (carvão, detritos, corpos) e não-orgânicos (como a cerâmica) fizeram isso.
Na maioria dos sítios, a ocupação diminui antes da chegada do colonizador, alguns séculos antes, novamente sem muitas explicações. Ainda se procura muitas respostas nestes sítios (por que a terra preta é tão estável? por que existem essas pausas na ocupação local?) e, com o avanço da apropriação de terras e a urbanização desenfreada, não sabemos se elas serão realmente respondidas. Poderíamos, ao invés de nos preocuparmos em expandir nossas cidades implacavelmente, aprender muito com estas populações do passado que conseguiram achar uma maneira de ocupar (e muito) um solo aparentemente infértil. Uma solução sustentável para a urbanização e agricultura na Amazônia pode estar na terra preta.
Interessante, na minha opinião, como Neves utiliza como argumento o solo. A terra preta de índio, junto com a cerâmica, seriam as provas para uma mudança radical no modo de vida amazônico nesse período. Essa constatação de tribos mais densas e mais complexas nos ajudam a rever e muito a fala dos cronistas sem pensarmos que as enormes aldeias interligadas por várias redes de comércio até os Andes fosse exagero ou obras da imaginação desses homens. A arqueologia, nesse caso, ajuda a dar um novo olhar á velhas e conhecidas fontes, uma releitura sempre proveitosa.
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