segunda-feira, 14 de março de 2011

Caserna e rua

A visão que a historiografia costuma passar da Proclamação da República é de um golpe dado por militares, onde o povo assistiu bestializado á tudo. Nesse caso, duas leituras são mais do que recomendadas.
O antropólogo Celso Castro em Os Militares e a República contesta a idéia de que os militares em peso fizeram a Proclamação da República, enquanto a historiadora Maria Tereza Chaves de Mello em A República Consentida considera que o povo assistiu ao golpe, mas isso não significa que ele não o apoiou.

Castro, primeiramente, critica a visão tradicional da Proclamação, seja pela exaltação dos seus líderes (Deodoro da Fonseca e Benjamin Constant) seja pela ênfase nos determinismos (que viam a República como algo inevitável e feito por toda uma instituição em peso). Com base em uma análise detalhada dos documentos da Escolas Militares e de seus ex-alunos, Celso Castro chega á conclusão de que a República foi proclamada por um grupo de militares, uma vez que haviam mais tensões dentro da corporação que unidade. Esse grupo era formado por jovens oficiais, a maioria ainda alunos das Escolas Militares (da Praia Vermelha e sua ramificação, Escola Superior de Guerra), vindos em sua maioria do Norte do país e conhecidos na época como a "mocidade militar".

Celso Castro
Esse grupo, no entanto, não era o mais desassistido pelo governo e pelo próprio Exército e sim os dos oficiais que entraram na instituição durante a Guerra do Paraguai. Esses oficiais não eram contemplados com cursos e bons salários, além de suas promoções serem muito lentas, contudo, não eram tão radicais quanto a mocidade militar. Seu protesto era a indiferença e não a ação. O que fez dele o grupo mais radical então? A insastifação com o governo devido ao despretígio para com o Exército e a entrada de novas idéias, muitas radicais e vinculadas ao positivismo, abolicionismo e republicanismo, ajudaram e muito.

Maria Tereza Chaves de Melo também critica a historiografia tradicional: a afirmativa proferida por Aristides Lobo de que o povo assistiu á tudo bestializado, que indicava a surpresa dele diante do fato, foi tomada como a prova de que não houve participação popular no acontecimento. Essa interpretação tem origem monarquista, pretendia afirmar que o povo gostava mais do imperador que do novo regime e foi retomada pelos intelectuais pós-1930 como símbolo de uma república totalmente oligárquica, a qual Getúlio Vargas derrubaria e proclamaria com suas ações a verdadeira república.

Bem, se realmente o povo gostava de seu imperador porque não fez nada diante da Proclamação ou mesmo da expulsão da família real do Brasil? O povo, responde Maria Tereza, estava indiferente aos destinos da monarquia. Por quê? Porque a monarquia perdera a sua garantia simbólica. A historiadora trabalha no campo da política, mas principalmente através dos símbolos que legitimam instituições. Esses símbolos, no caso do império, haviam sumido diante das inúmeras polêmicas do Estado para com a Igreja e o Exército ou mesmo da corrupção e da alta burocracia.

Além disso, outro simbolismo havia chegado: aos poucos entrava na cidade do Rio de Janeiro, palco destes acontecimentos, um ideal modernizador e científico que pode ser percebido na fala de muitos jornais e livros da época. Esse ideal foi conquistando o povo através da imprensa e das imagens (basta lembrar a quantidade de homens analfabetos no início do século XX e saberemos o peso marcante da imagem nessa população). Quando fala em imagens não se refere apenas ás charges que desmoralizavam o imperador, mas principalmente á visão daqueles debates acalorados entre intelectuais nas ruas.

A rua se torna campo da política. O ideal modernizador e científico conquista o povo por causa de sua ampla difusão nas mais variadas formas, como falamos acima, e por estar apoiado em uma sólida crítica ao governo, uma vez que esse só se comprometia mais e mais. Esse simbolismo prevalece assim, na base das críticas e ataques ao governo, na rua, enquanto em círculos mais restritos começam a surgir propostas para um novo governo. Finalmente, o ideal modernizador e científico se une ao republicanismo, argumentando que com a república o Brasil se tornará democrático e desenvolvido.

A conclusão de Maria Tereza é simples: se a Proclamação da República foi em si um ato militar, ela contou, no entanto, com o consentimento do povo, uma vez que o discurso científico havia convencido a opinião pública de que não havia mais salvação para o Brasil dentro do regime monarquista. Essa é a República "consentida".

Como bons pesquisadores, tanto Castro como Melo, por meio de suas conclusões sobre esse ato apontam suas consequências nos momentos posteriores. Qual foi a consequência dessa profissionalização do Exército de que fala Castro? A formação dos militares como atores políticos, cuja inauguração foi nada mais que a Proclamação. Daí em diante, eles só consolidaram esse papel, entre "trancos e barrancos". Qual foi a consequência da propaganda do discurso científico? A rua se transforma em espaço político e exemplo emblemático disso seria mais uma vez a afeição ao novo regime proclamado em 1889. A autora considera que, desde então, a sociedade fluminense tornou-se altamente politizada, ou seja, por boa parte da República Velha, o povo poderia não ter o comando do país (este estava na mão das oligarquias), mas pelo menos ele sabia o que estava acontecendo e protestava contra isso, muitas vezes de forma radical (como no caso da Revolta da Vacina). 

Nenhum comentário:

Postar um comentário