segunda-feira, 21 de março de 2011

As amazonas do Amazonas II

Trajeto da expedição de Francisco de Orellana.
Como dissemos anteriormente, as amazonas são parte de um imaginário construído sobre a região amazônica. Parte de um imaginário que reconhece a magnitude da natureza e a inferioridade do homem nativo, no nosso caso, da mulher nativa.
Mas os cronistas reconhecem nas amazonas a sua bravura, ferocidade e organização, como podem então elas serem inferiores? Carvajal constrói sua narrativa como um épico, tendo os conquistadores comandados por Francisco de Orellana como heróis. Se ele reconhece a "civilidade" de certas tribos e a "virilidade" de outras, como a das amazonas, elas não chegam nem perto da civilização e da força dos conquistadores.
A vitória da tripulação de 57 homens sobre um exército de índios comandados pelas mulheres guerreiras reforça essa superioridade. Essa idéia de superioridade tem profundas raízes religiosas e políticas e, de certa forma, permeou a história da colonização, seja ela hispânica ou portuguesa, chegando até nós ainda. É a "peversão da memória", como coloca o historiador Hideraldo Costa, é a sobrevivência dessa visão eurocêntrica que enxerga no homem amazônico um ser inferior.

As mulheres guerreiras do Daomé.
A historiadora Maria Izilda Santos Matos fez um estudo interessante sobre o mito das amazonas e a questão do gênero nos primeiros anos da Conquista. Apresentaremos aqui algumas de suas reflexões á seguir. Antes de tudo, a autora ressalta que a idéia de mulheres guerreiras é antiga e está presente por quase todo o Velho Mundo, seja na Grécia ou no Daomé. Essa seria, portanto, uma idéia recorrente na mentalidade mundial, de certo modo. Podemos encontrá-la até em algumas tribos amazônicas, onde se fala de um mundo primordial controlado pelas muheres, onde os homens se livraram de sua tirania através da força de um herói-reformador (Jurupari) ou capturando seus objetos sagrados (as flatuas, na lenda dos Mundurucus). Estes mitos são usados para legitimar o patriarcado.
Na cultura européia entre os séculos XVI e XVII, a situação não era muito diferente: a mulher era vista como um ser inferior, intelectualmente, sendo por isso responsável pelo lar. O mito das amazonas é construído, com base em lendas greco-romanas, ibéricas e amazônicas, de forma a incluir dentro dele um modelo ideal de homem e de mulher. Uma sociedade comandada por mulheres fortes, ricas, comandadas pelo desejo (utilizando os nativos como objeto, aliás, de seus desejos sexuais) e com uma espécie de maternidade seletiva (aceitando apenas mulheres) era uma inversão da ordem. Em parte, elas lembram muito os conquistadores (na virilidade e ganância), mas o marcante mesmo é sua completa diferença com o modelo de mulher esperado: aquela mulher que mantém sua virtude prezando sua castidade e não a promiscuidade; que não se envolve em assuntos ligados ao governo, riqueza e guerra; que ama antes de tudo seus filhos.
O mito das amazonas foi construído pelos homens para incutir na cabeça das pessoas, principalmente das mulheres, de que o seu papel era diferente daquelas mulheres guerreiras. No entanto, como todo mito construído sobre outros mitos, ele está cheio de incoerências e pode ser utilizado das mais variadas formas. Pode ser que muitas mulheres se simpatizavam com as amazonas, vendo sua sociedade como ideal, onde elas teriam mais liberdade. E, de fato, as amazonas foram utilizadas no futuro como argumento para discursos á favor das mulheres: seja como apoio ás rainhas européias no século XVIII, seja como argumento para a igualdade de cidadania entre os sexos durante a Revolução Francesa, seja como símbolo do movimento feminista no século XIX e XX.

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