O filme Narradores de Javé (2003) de Eliana Caffé é um terreno fértil para discussões, principalmente para o professor de História. Falaremos nesse blog sobre algumas delas, não se preocupem, mas uma por vez. Hoje, por exemplo, falaremos da questão da narrativa.
O filme todo é a narrativa de um dos líderes de uma comunidade no interior da Bahia preocupado em salvar sua cidade das águas que a inundarão caso a represa prometida pelo governo seja construída. Esse homem, Zaqueu (Nelson Xavier), encontra uma solução: tombar a cidade como patrimônio histórico e cultural. Para isso precisa provar á todos que Javé, a tal cidade, é uma cidade com uma história muito importante. A única pessoa capaz de escrever tal história, contudo, é um homem odiado por todos: Antônio Biá (José Dumont).
Biá era um funcionário do Correio que para não perder o emprego passou a escrever uma série de cartas falando sobre todos moradores da cidade, sendo expulso há alguns anos por conta disso.
Desculpado e indicado para o serviço, Biá começa a coletar as histórias dos moradores e percebe que cada um tem sua versão sobre a fundação da cidade. Cada morador o procura querendo contar sua versão e assim ele nunca tem sossego e nunca sabe o que escrever. O que é interessante é que cada morador tem seu estilo de contar a história, cada morador tem sua fórmula narrativa. A história de Firmino é cômica e mística, a história de Vicentino é pomposa e heróica, já a do ancião do quilombo é mais mítica.
A diversidade de narrativas precisa ceder espaço á uma forma narrativa, á do pesquisador. O livro será escrito por Biá, será a sua versão que prevalecerá. E a narrativa de Biá é muito criativa e até anedótica, como percebemos em certa passagem. Biá fala que tem de se mudar a história falada para a história escrita. A história escrita, mesmo sendo História, é uma narrativa. Biá descobriu o que os historiadores levaram décadas para concluir: todo tipo de História é uma narrativa, afinal seu autor está querendo apresentar suas teorias, mas antes tem de contextualizá-las e descrevê-las. Uma narrativa é a tentativa de dar sentido para algum, de ordenar a história que se pretende contar. E não é o que fazemos?
Isso implica que a História tem a sua subjetividade sim. Cada narrador traz a sua personalidade, seu ponto de vista na narração. Podemos até argumentar que a história toda pode não corresponder ao acontecido, uma vez que quem está contando é Zaqueu, que não estava na cidade durante todo o processo. Mais uma versão dos fatos? Será que a história foi realmente assim? No final Zaque diz que foi assim que aconteceu, mas quem quiser dar sua versão que venha contar. É a abertura para o diálogo de narrativas. É uma das propostas de Eliana Caffé.
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