Em dezembro de 1968 é outorgado o Ato Institucional N. 5, conhecido como o começo dos anos de chumbo, o período em que a ditadura militar se tornou mais rígida. Muitos acreditam que o motivo para o famigerado AI-5 tenha sido o discurso do deputado Márcio Moreira Alves em setembro. Nesse discurso o deputado criticava os militares no poder pela conivência com as torturas executadas nas prisões e pedia que as mulheres dos soldados fizessem uma "greve" contra seus maridos e que todos boicotassem o Sete de Setembro. Altamente indignado com as afirmações do deputado, o presidente pedira a cassação de Márcio, porém ela fora negada pela Câmara dos Deputados.
Marechal Arthur da Costa e Silva imita Poncios Pilatos: lava as mãos diante do AI-5. Charge de Baptistão. |
O historiador Carlos Fico critica esta visão e propôe uma nova forma de encarar o AI-5. Sim, o AI-5 aumenta o aparato repressivo, aprofunda a ditadura militar, mas sua origem não pode ser encontrada no discurso de Márcio, mas em pontos anteriores á esse. É consenso que o golpe de 1964 não foi feito por todos os militares e eles não tinham uma ideologia única e coerente os guiando. Era o anticomunismo e a insatisfação com o governo Goulart que os movia. Tanto que após concretizado o golpe, o governo levou muito tempo para se organizar, se consolidar. Muitos grupos disputavam a direção de regime, dentre eles o que ficou conhecido como "linha dura", constituído de militares guiados por uma utopia autoritária. Segundo Carlos Fico, utopia autoritária era a idéia de que o Brasil só se desenvolveria e se protegeria do comunismo se um governo autoritário fosse criado.
A história da ditadura militar pode ser encarada como a ascensão, consolidação e decadência da linha-dura. É apenas uma chave de compreensão, não quer dizer que seja a realidade em si. O fracasso do governo Castelo Branco, que se considera líder de um grupo mais moderado, em deter a ascensão da linha dura vem em 1967 com a indicação de Costa e Silva, um dos porta-vozes do grupo. O AI-5 pode ser visto, segundo essa chave de compreensão, como o cume desse processo da linha dura de tentar efetivar sua utopia autoritária. Fico diz que a linha dura deixa de ser um simples grupo de pressão para se tornar, a partir do governo Costa e Silva, uma comunidade de informações e de segurança. O que significa isso? O grupo chega ao poder e passa a repousar em certas instituições estratégicas, instituições que investigam, censuram e reprimem. Instituições como o Serviço Nacional de Informações (SNI), a política política (que podia se ramificar no poderoso DOI-CODI ou nos serviços de inteligência das Forças Armadas, como o CIE, do Exército, ou o Cenimar, da Marinha) e os departamentos de censura.
Marechal Costa e Silva, general Médici, general Geisel e marechal Castelo Branco (de terno). |
O começo do fim vem com a gradativa perda de apoio que o governo adquire por suas ações repressivas. O apoio de parte do empresariado, da Igreja Católica e do próprio povo vai se perdendo com as ações, com o consentimento ou não do governo, como os atentados do Comando de Caça aos Comunistas (CCC) ou da Operação Bandeirantes (OBAN). Além disso, a imagem do Brasil no exterior não é das melhores, por conta das denúncias de tortura nunca investigadas. As organizações de Direitos Humanos iniciam uma campanha rigorosa contra o Brasil. Não bastasse isso, os primeiros efeitos do "milagre brasileiro" encetado pelo governo Médici começam a ser sentido ainda na década de 1970. Em 1974, para piorar, temos a crise do petróleo. A linha dura estava desmoralizada e "encurralada", para usar a expressão do jornalista Elio Gaspari. Daí Ernesto Geisel decretar início de uma abertura "lentra e gradual". Uma das séries de medidas do Pacote de Abril é justamente a revogação do AI-5.
Carlos Fico |
Ascensão e ocaso da linha dura. É uma hipótese interessante afinal. Traz uma nova luz sobre um momento tão rico de nossa história sobre o qual não é muito refletido do ponto de vista historiográfico. Os historiadores, vejam só, são novatos na discussão sobre a ditadura militar. Grande parte da produção sobre o assunto, nos mostra Carlos Fico, vem de cientistas políticos e de memorialistas. O período fica entre o discurso panfletário da direita ou da esquerda e as análises políticas da academia, a maioria internacional (os chamados brasilianistas). Os historiadores chegaram á pouco tempo na discussão, questionando o caráter estrutural (se o papel maior se deve á economia ou á política) ou não do golpe, as práticas culturais ou não das instituições do regime, dentre outros aspectos. O tema está longe de ser esgotado.
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