Ano passado chegou aos cinemas o filme "A Origem", de Christopher Nolan. A história gira em torno de um futuro não muito distante onde se pode entrar nos sonhos de outras pessoas. O filme acompanha uma equipe de especialistas em invadir sonhos, contratados para descobrir segredos industriais, que recebe uma proposta indecente de um empresário. O que eles tem de fazer é complicado: não vão roubar um segredo, mas plantar uma idéia. Os protagonistas explicam porque tal ação é tão difícil: uma idéia é difícil de ser plantada porque sempre haverá um rastro de quem a plantou.
Por que estou falando disso? Nos últimos dias li o livro de Edgar Decca, O Nascimento das Fábricas, que analisa o processo descrito no título de uma perspectiva diferente: o mundo das idéias. Por que isso? Decca acredita que a ideologia criada no início da industrialização foi tão bem construída e tão bem difundida que ela chegou até na historiografia. Daí que muitos historiadores explicam o nascimento das fábricas através do elemento produtividade. Ou seja, as fábricas nasceram graças ás máquinas, criadas na Revolução Industrial, que trouxeram novas técnicas de produção.
Segundo Decca, as máquinas não determinaram o nascimento das fábricas. O que ajudou e muito ao nascimento das fábricas foi a mentalidade burguesa, formada gradativamente, segundo a força que a burguesia ia adquirindo com o tempo. O que dizia essa mentalidade? Primeiro, ao contrário do que se dizia antes, o trabalho não é algo ruim. As sociedades da Antiguidade sempre consideraram o trabalho como um castigo ou uma tortura (basta lembrarmos que o princípio básico para ser nobre é não ter que trabalhar). Em segundo lugar, o trabalho produz lucros. Quanto mais eficiente e racional o trabalho, mais lucros serão obtidos. Quanto mais disciplinado o trabalhador, melhor será o seu trabalho.
O burguês era o homem que mexia com dinheiro, por isso ele valoriza o trabalho. Mas a maioria apenas comercializava o produto de outros trabalhadores, como os artesões. O problema, para o burguês, é que o artesão não tem um nível de produção regular, isso porque ele tem muita autonomia, afinal, os meios de produção são todos dele. As fábricas nascem quando o burguês reúne os trabalhadores em um espaço e empresta os meios de produção para eles. O que se exigia nas fábricas era disciplina, por isso existiam capatazes e punições terríveis a quem não fosse "ordeiro". O interessante é que esse zelo foi tão reafirmado que acabou penetrando dentro dos trabalhadores. Reafirmado como? Não era só através do "vigiar e punir". Não era raro muitos padres ou pastores apoiarem o trabalho fabril como alternativa á preguiça, um dos pecados capitais, visto como solo fértil para outros pecados. Os cientistas sociais, que surgem nesse período de mudanças radicais, não fogem á regra: o trabalhador que não é disciplinado logo se tornará um criminoso ou um vagabundo. O trabalhador deve reconhecer seu papel na sociedade, aprender e exercer sua função, senão a sociedade desabará. Além disso, o trabalho traz muitos benefícios ao homem, principalmente na saúde (o que muitos não percebiam era a falta de segurança no trabalho, dentre outros fatores).
O patrão, o capataz, a ciência e a religião diziam basicamente a mesma coisa, com conceitos e palavras diferentes. Eles produziram uma ideologia, um conjunto de idéias que toma status de verdade, que incutiu nos trabalhadores que a fábrica era o único meio de se sustentar e a disciplina a única maneira de continuar nas fábricas. As máquinas aqui serviram como instrumento para assegurar isso: a ameaça de mecanizar a produção assustava os operários, preocupados em perder o seu emprego.
A classe social burguesa fez o que a equipe do filme fez na cabeça de sua vítima: plantaram uma idéia. De tal forma que não se percebe de onde veio tal idéia. Ela foi estendida á toda sociedade. Disciplina e produtividade são palavras de ordem para todos os grupos sociais. Palavras que apagam, de certa forma, desejos de autonomia e de revolta. Na realidade, tais sentimentos nunca deixaram de existir, o que Decca quer dizer é que seu objetivo, no campo das idéias, era evitar a sua proliferação. Ao contrário do que vem se afirmando, as fábricas não nascem graças ás máquinas, mas devido á ideologia criada pela classe burguesa, na qual as máquinas foram usadas como um dos tantos instrumentos de sua reafirmação.
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