Todo historiador está limitado por circunstâncias, por exemplo o tempo em que viveu e a classe social á que pertence. Essa última é um dos aspectos destacados por Michel de Certeau para se compreender como o trabalho historiográfico é produzido.
Como sabemos, nos primórdios das ciências acreditava-se que a imparcialidade podia ser alcançada. Esse mito foi levado das Ciências Naturais para as Ciências Sociais pelo positivismo. Aqueles eram os tempos da ingenuidade, quando se acreditava que o pesquisador era invulnerável á sua profissão ou á sua família ou mesmo ao seu posicionamento político. Hoje, depois da crítica do cientificismo, chegamos ao tempo da desconfiança.
Certeau lembra que o sociólogo francês Raymond Aron foi um dos primeiros a criticar a imparcialidade e o isolamento dos historiadores e a propor, ao invés disso, a relatividade histórica - ou seja, tudo é histórico e tudo é social. O problema é que ele enxerga os intelectuais como um grupo bem definido que vive junto com a sociedade, não enxerga a sociedade intervindo nele.
Quem vê essa ação é Michel Foucault. É ele quem cria uma fórmula para se entender a epistemologia das ciências: toda disciplina deve ser entendida levando em conta as técnicas que utiliza e os conflitos sociais que se inserem nela. Certeau usará essa fórmula e acrescenta ainda um terceiro ponto: a escrita.
Um esclarecimento: o lugar social ao qual o autor se refere no começo do capítulo não se trata apenas da origem do pesquisador, mas da sua própria profissão (estamos falando do historiador, do pesquisador profissional). Portanto, passemos á falar da formação das "instituições de saber", o lar dos pesquisadores. Essas instituições foram criadas no começo da Idade Moderna e para construir uma linguagem própria, científica, procurou se afastar da política e da religião. Esse movimento é conhecido como as "despolitização dos sábios". É esse movimento que cria o mito da neutralidade e da objetividade.
Michel Foucault |
Raymond Aron |
As instituições científicas não estão flutuando sobre a cabeça da sociedade, elas estão ali, bem no olho do furacão, por mais que tenham negado isso. Muitas vezes a ciência legitima a sociedade em que está inserida. Ela pode agir, portanto, como uma engrenagem. Ora as próprias questões que ela busca responder demonstram isso. Exemplos: entre a Primeira e a Segunda Guerra Mundial, a histórica econômica teve um boom, principalmente com a crise de 1929. Coincidência? A história cultural se tornou muito prestigiada a partir dos anos 90 quando surge a idéia de globalização. Será que não tem nada a ver?
Tem tudo a ver! Na história essa ligação com a sociedade é mais forte ainda, porque o conhecimento histórico é movido pelos questionamentos da sociedade e ele confere sentido ás classes sociais que pertencem á ela. Nenhum trabalho historiográfico está sozinho. Historiografia é um conjunto de vários trabalhos, todos eles partem de problemas atuais. A História ajuda a criar uma consciência de classe apresentando as origens e os trajetos das classes sociais. Portanto, não tem como escapar da sociedade.
O que é interessante, segundo Certeau, é que hoje as universidades, as instituições de saber, não procuram mais cientificizar tudo, como antes, mas apenas defender seu posto. Defender uma autonomia que ela não possui. E é nessa situação que surge, segundo o autor, o não-dito. Não-dito pode ser entendido como tudo aquilo que é escondido nos textos historiográficos. Uma ideologia, um preconceito, uma falha, tudo isso pode ser um não-dito. Mas Certeau se refere especialmente á intenção ideológica escondida, á uma ação que não condiz com a teoria ou á um lugar social eliminado do texto. Penso que Foucault com isso esteja criticando as universidades de sua época, que mesmo já estando ciente de que não eram autonômas, teimam em parecer círcuitos fechados.
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