Capistrano de Abreu (1853-1927) |
O historiador cearense Capistrano de Abreu é geralmente tido por muitos historiadores atuais como o pai da concepção moderna de história no Brasil. Antes de falarmos de Capistrano temos que falar da concepção moderna de história e do contexto deste historiador.
Já existia antes do Renascimento uma concepção de história tida como clássica, pois se inspirava nos grandes historiadores gregos (como Heródoto). Essa concepção enxergava a história como uma fonte de lições para a vida (daí seu nome História Mestra da Vida). Em nome de um valor, os fatos históricos eram desvirtuados. Essa oncepção começa a perder espaço em meados do século XIX, quando a História se torna ciência e surgem pelo mundo vários pesquisadores que propõem métodos mais críticos para o ofício do historiador.
A concepção moderna de história é aquela que preza pela verdade, por isso se utiliza da crítica ás fontes e da narrativa para apresentar suas teses. Essa concepção ainda acredita ser possível ser imparcial e objetivo, mas não enxerga os documentos como provas irrefutáveis em si (como os positivistas).
Francisco Iglésias |
O historiador mineiro Francisco Iglésias utilizava muito uma periodização sobre a historiografia brasileira. Ele a dividia em três períodos: o primeiro engloba os cronistas e viajantes, desde o século XVI até o começo do XIX, já o segundo toma boa parte deste século e as duas primeiras décadas do século XX, enquanto o último período se inicia justamente em 1930 com as reformas educacionais e o pensamento investigativo de nossos grandes intérpretes (Freyre, Holanda, Prado Jr.).
O jovem Capistrano de Abreu. |
Capistrano de Abreu se enquadra no segundo período. Nascido em 1853, na província do Ceará, se mudou com 22 anos para a então Corte do Brasil, o Rio de Janeiro. Graças á recomendação de um famoso conterrâneo, José de Alencar, conseguiu um emprego na Livraria Garnier, prestigioso espaço intelectual carioca. Lá, o jovem Capistrano começou a escrever críticas literárias, algumas contra Sylvio Romero e suas teorias sobre o cárater nacional.
A partir de 1876, gradativamente sai da crítica literária para a pesquisa histórica. Ganha notoriedade ao escrever duas homenagens póstumas; uma ao velho amigo José de Alencar e outra ao historiador Francisco Adolfo Varnhagen, que Capistrano considerava como mestre.
Francisco Adolfo Varnhagen, Visconde de Porto Seguro. |
Varnhagen, que tinha ganho o título de Visconde de Porto Seguro, é considerado o pai da historiografia brasileira. Seu livro História Geral do Brasil foi a primeira tentativa de se escrever um resumo da história do país, desde seu descobrimento até o momento em questão. Varnhagen, contudo, unia ao seu fetiche pelos documentos (na expressão de R. Colingwood sobre esse ideal positivista) sua defesa da colonização e, consequentemente, do Império. Extremamente vinculado á monarquia portuguesa, o historiador enxergava a colonização como uma obra heróica, uma tentativa de civilizar esse país bruto e bárbaro.
Varnhagen construiu uma história oficial. Por isso ele é considerado por Iglésias um dos maiores nomes deste segundo período da nossa historiografia. Nesse período há a preocupação em se construir uma identidade nacional, por isso a história oficialista se torna predominante. Varnhagen foi o inaugurador dessa "história dos vencedores", mas o maior propagador desse gênero foi com certeza os Institutos Históricos e Geográficos espalhados pelo país. O primeiro deles foi fundado em 1838, por honoráveis membros da elite política imperial fluminense - nascia assim o Instituto Histórico Geográfico Brasileiro (IHGB).
Capistrano, que tinha por mestre Varnhagen e que colaborou para alguns IHGs, então pode ser classificado como um historiador oficialista, que guarda uma concepção clássica de história? Não. Capistrano venerava Varnhagen por sua valorização das fontes e sua preocupação com a identidade nacional, mas criticava o mestre justamente por essa sua falta de imparcialidade. Além disso, Capistrano não estava interessado em construir uma identidade nacional, como seus pares, mas em descobrir a verdadeira identidade brasileira (sentimento esse que uniu os membros do terceiro e último período, os intérpretes do Brasil e os universitários). Fora um grande crítico dos intelectuais dos IHGs, pois acreditava que eles era muito pomposos e pouco objetivos. Exatamente por isso propunha a criação de uma nova instituição - o Clube Taques - para intelectuais verdadeiramente comprometidos com a pesquisa histórica. Capistrano nunca conseguiu fundar tal clube, mas sua maior contribuição com certeza foi o livro Capítulos de História Colonial, publicado em 1907.
Neste livro, Capistrano mergulha nos documentos disponíveis na Biblioteca Nacional para entender como se deu a colonização do sertão. O historiador cearense acreditava que o grande vazio historiográfico era o sertão, pouco se falava dele (e de certa maneira, na época ainda se olhava mais para o litoral "desenvolvido" que para o sertão). Capistrano era um grande crítico do ideal "civilizador" da colonização portuguesa, pois nutria uma grande simpatia para com os indígenas (tanto que viveu entre algumas tribos por um momento e até publicou um livro sobre a lingúa de certo grupo indígena) e não conseguia ver no extermínio de uma cultura um ato de "desenvolvimento".
Mesmo possuindo esse olhar crítico, Capistrano ainda possuía um ranço de etnocentrismo: pelo fato da maioria das etnias nativas serem ágrafas, não possuírem escrita, ele considerava que a verdadeira história do Brasil começou com o descobrimento, repetindo assim algumas das afirmações de seu mestre.
Capistrano defendia uma história-síntese, que falasse do Brasil desde o descobrimento até os dias atuais, mas não conseguiu seguir este objetivo, se concentrando na história colonial. Sua análise desconfiava dos discursos de muitas fontes, ao contrário de Varnhagen, e exatamente por isso em seu livro apresenta outros pontos de vista possíveis. Em se tratando de estilo, o livro magno de Capistrano lembra muito um ensaio, por sua fluidez e erudição, também diferindo assim do estilo seco e arrastado de Varnhagen.
Ângela de Castro Gomes |
A historiadora Ângela de Castro Gomes considera Capistrano como o pai da concepção moderna de história no Brasil justamente por seu método crítico e por sua narrativa compatível com a pesquisa. Ricardo Benzaquen de Araújo lembra que seu estilo aproximava-o mais dos intérpretes do Brasil que viriam a seguir, que produziram seus trabalhos em forma de ensaios, do que os textos burocráticos do IHGB. O reconhecimento de Capistrano de Abreu, contudo, é recente. Em sua época, Varnhagen ainda era o grande nome na historiografia e o IHGB representava o que havia de "moderno" em se tratando de história no Brasil. A influência de Capistrano ainda era pequena. Aumentou consideravelmente após a publicação de Capítulos de História Colonial. Quando veio a falecer em 1927, Capistrano era um homem relativamente pobre e conhecido.
Se os historiadores hoje o reconhecem isso diz também muito sobre eles. A historiografia atual possui como denominador comum justamente essa vontade de fazer uma "história dos vencidos" que vá de encontro á história oficial. E Capistrano tentou fazer uma "história dos vencidos", mas não como forma de confrontar a "história dos vencedores", não era esse seu objetivo. O que lhe movia era a curiosidade de conhecer realmente o Brasil e não representá-lo como vinha fazendo os demais "historiadores". Essa tentativa de construir uma história mais realista o levou a criticar a "história dos vencidos". No entanto, Capistrano nunca achou que fosse possível ser capaz de entender completamente essa verdadeira história. A tarefa deveria ser continuada pelos futuros historiadores. Por isso, Capistrano também é tomado como modelo do historiador ideal: aquele que procura compreender a totalidade da realidade histórica, contudo, ciente de sua pretensão e de suas limitações, sabe que sua contribuição nunca é definitiva e sua missão deve sempre passar á diante.
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