sábado, 26 de novembro de 2011

Resistência Escrava Política da Escravidão e Precarização da Liberdade no Amazonas Imperial

Ygor Olinto Rocha Cavalcante
Foto: Maurílio Sayão.
Esse era o título da palestra ministrada pelo mestrando em História pela UFAM, Ygor Olinto Rocha Cavalcante na segunda noite da Semana de Consciência Negra da Uninorte desse ano.
A fala de Ygor se iniciou com um caso interessante: a fuga de três escravos da propriedade de seu dono em 1851. Ignez, Felipe e Manoel fugiram e se refugiaram no interior da mata, mas uma expedição foi organizada para capturá-los. Uma vez pegos eles são remanejados, remetidos para outras funções.
O interessante é que o jornal A Estrella do Amazonas, um dos primeiros jornais da província, faz um artigo sobre o ocorrido aplaudindo o sucesso da expedição, depositando nessa fuga de escravos um peso muito forte. Esses três escravos foragidos eram encarados como braços que se evadiam da lavoura, enfraquecendo sua produção, e como subversivos do mais alto nível de perigo, pois poderiam invadir a cidade com seus amigos de mocambos a qualquer minuto.
O artigo, é claro, tem um pouco de exagero (temos de lembrar que a Revolução do Haiti, onde negros mataram seus senhores, por muito tempo assombrou a cabeça da elite brasileira), mas existem nele dois pontos interessantes: primeiro, a importância da lavoura era grande aqui, e em segundo, a importância dos escravizados também.
Ora, se o negro era importante porque a historiografia tradicional afirma que ele teve uma contribuição infíma na nossa história? Isso implica uma revisão historiográfica. Como podemos avaliar o real peso do negro na economia amazonense? Uma das respostas são as estatísticas. Através do número de escravos presente na província, Ygor pode verificar que a população negra aumenta na década de 1850 (quando ainda era apenas comarca do Grão-Pará), reflexo da Companhia de Comércio do Grão Pará e Maranhão que a partir de 1750 trouxe escravos para essa colônia.
Um grande mito foi quebrado. O outro seria de que a escravidão no Amazonas foi tão pequena que o senhor de escravos e seus escravos não conviviam por meio de relações autoritárias, ou seja, aqui a escravidão foi branda e amena. Por meio da leitura das notícias policiais e dos relatórios de prisões, Ygor nos apresenta uma sociedade tão paranóica quanto a dos cafeicultores paulistas em relação aos escravos. Se fossem vistos mais de dois escravos juntos em algum local público, já temia-se uma insurreição escrava e acionava-se a polícia. Muitas ordens de prisão de escravos eram expedidas com base nesse medo. Além disso, o aumento da atuação policial coincide com o aumento da exportação do cacau, café e fumo.
O mais interessante é que a mesma preocupação se tinha com os trabalhadores livres: sejam eles imigrantes brasileiros ou estrangeiros, muitas brigas se iniciavam entre eles e seus patrões ou com a polícia por causa do rígido controle que estes mantinham sobre eles. Ações fora do espaço de trabalho eram consideradas subversivas.
De todas essas ações, as fugas dos escravos eram as mais incovenientes e preocupantes para essa elite senhorial, porque elas aumentam as chances de uma revolta contra os senhores. Além de, como o artigo do jornal no começo dizia, retirar braços da lavoura local. Ora, só o ato de fugir das fazendas por si só pode ser encarado como uma evidência muito forte de que no Amazonas a escravidão não foi nada branda.
Essas considerações nos levam á algumas perguntas e certas conclusões. Quanto as perguntas: esse rígido controle social se originou como? Havia uma certa solidariedade entre trabalhadores livres ou não por causa dessa sua condição de serem constantemente vigiados e punidos? Algumas possíveis respostas: a escravidão indígena pode ter sua parte de culpa, mas uma série de acontecimentos no século XIX fez com que as elites senhoriais acreditassem que o Amazonas estava passando por uma crise de mão-de-obra (epidemias, revoltas políticas, fugas de escravos, deserções de trabalhadores livres, etc) e com isso reforçasse o trato com os trabalhadores. Quanto á solidariedade, Ygor nos fala que trabalhadores livres e escravizados se aproximavam sim, mas não se uniam, justamente por uma série de diferenças (culturais e sociais) que levavam ao conflito entre si.
Quais são as conclusões? A mais importante de todas é que a escravidão no Amazonas provincial representou um dado estrutural para se compreender as relações sociais dessa época. O controle social sobre os trabalhadores e a revolta (ainda que difusa) desses trabalhadores comprovam que também tivemos uma elite autoritária. Elite essa que buscará continuar com esse sistema social, mesmo depois da lavoura de cacau e café perderem sua força. O seringal pode ser entendido como uma extensão desse sistema.

A palestra do Ygor foi muito boa, cheia de informações muito úteis e propostas interessantes, por isso, com certeza falaremos mais dela aqui, nesse blog, mais para frente. O que acho essencial na sua fala é que ela busca rever conceitos um tanto errôneos sobre a escravidão na região, dando destaque não só para a força dessa instituição em nossa terra como também valorizando a influência da cultura negra nesse processo histórico. A todos que ficaram interessados com sua fala indico seu artigo "Fugindo, ainda que sem motivo": escravidão, liberdade e fugas escravas no Amazonas Imperial (1850-1888)" que está presente no livro organizado por Patrícia Sampaio, O Fim do Silêncio, que será lançado hoje ás 18h30 no Museu Amazônico.

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