Coleção Povo de Lisboa do Arquivo de Manuel Gondinho. |
Sharpe lembra que a História Vista de Baixo se iniciou com a ajuda do marxismo e da história social britânica (Thompson é um bom representante de ambos). No segundo momento, os historiadores dos Annales entraram na roda. As contribuições, no entanto, também trouxeram limitações.
A análise marxista se focava no período pré-industrialização, quando o capitalismo dava seus primeiros passos para sua consolidação. A pergunta colocada pelo autor do artigo é: como fazer História Vista de Baixo nos séculos anteriores ao da Revolução Industrial? Hobsbwam dizia que a Revolução Francesa, com a criação de seus arquivos sobre o cotidiano das pessoas, era um divisor de águas no quesito documentação. Nova pergunta então: como fazer História Vista de Baixo antes da Revolução Francesa.
Montaillou, de um membro da História Nova, é uma tentativa de responder essa pergunta. Afinal, estamos em uma aldeia francesa no início do século XVIII. Como foi possível construir esse estudo? Como dissemos antes, LeRoy Ladurie usou de documentos da Inquisição. A contribuição da História Nova pode ser encarada como um maior diálogo com a sociologia e a antropologia, um campo maior de fontes (incluindo aqui a história oral, por exemplo) e uma conceituação nova: as mentalidades.
Mentalidades é difícil de definir, mas pode ser encarada como o conjunto de elementos simbólicos que guiam as ações e os comportamentos de uma determinada sociedade. O conceito sofreu críticas por sua imprecisão e sua abrangência. O comandante da tropa e o soldado raso que escreve á esposa tem a mesma mentalidade? E a sua diferença social não interfere nisso?
Na História Vista de Baixo também foi criticada sua imprecisão. O que seria esse "de baixo"? Dentro do povo existem os mais variados grupos sociais e culturas, então chamar o estudo do povo de História Vista de Baixo não é uma generalização grotesca? Afinal, o "baixo" pode ser relativo: o capitão comparado ao comandante da tropa é de "baixo", assim como o soldado raso é mais "baixo" ainda se comparado ao capitão do batalhão. Alguns críticos acreditam que essa imprecisão é fruto do panfletismo, da defesa apaixonada das massas que acaba reduzindo-as á um termo que não dá conta de todo o seu tamanho.
Quanto á essa questão, além da necessidade de melhor questionamento e detalhamento, impõe-se sempre enxergar a História num âmbito total. Ou seja, a História Vista de Baixo não tem sentido se for tomada como um fim em si mesma, afinal o que é do "baixo" sem o de "cima"? Por isso, não podemos deixar de considerar as outras esferas da História.
Outro problema, esse menos teórico, decorre do insucesso da História Vista de Baixo fora da academia. Ora, a História Vista de Baixo tem um forte cárater social e político, afinal ela está reagindo á História oficial, a história das elites. Nada mais sensato que endereçá-la, além da academia, ao povo, á sociedade em geral. No entanto, os estudos mais tradicionais são os mais lidos fora das universidades. Será culpa da continuação daquela idéia de que a verdadeira história é a dos grandes feitos e dos grandes homens? Ou o historiador também tem culpa ao escrever teses com muitos conceitos teóricos e uma linguagem muito técnica que acaba afastando o povo? Corremos o risco de fazer uma História Vista de Baixo para quem está em "cima", então?
Nenhum comentário:
Postar um comentário